Nos últimos anos muitas marcas decidiram incorporar “causas” presentes na sociedade às suas campanhas publicitárias. O marketing social, no qual marcas adotam uma posição sobre uma determinada questão social, política, econômica, climática, etc., se tornou quase uma obrigação das marcas.
Consumidores, hoje em dia, valorizam a autenticidade e alinhamento com seus valores, como condição para o consumo. Marcas se veem quase que obrigadas a tomar partido em diversas causas sociais sob a ameaça que se não o fizerem podem ser ignoradas, ou pior, boicotadas.
As mídias sociais facilitam o engajamento das marcas com causas sociais, pois os próprios consumidores trabalham para espalhar as campanhas de marketing cujas mensagens sociais eles estão de acordo.
Mas essa linha entre autenticidade e marketing não é facil de trilhar. Muitas marcas poderosas se deram mal.
Em 2017, a Pepsi fez uma campanha com Kendall Jenner participando de um protesto, que foi muito mal recebida. O público não viu um alinhamento da campanha com alguma causa real, e a Pepsi e Kendall Jenner foram criticadas pela falta de comprometimento. Após as críticas, a Pepsi interrompeu a campanha.
Ainda em 2017, após as diversas controversas sobre a divulgação de fake news nas redes sociais durante a campanha presidencial americana, o jornal New York Times, veiculou uma propaganda enfatizando a necessidade das notícias reportadas serem verdade. A campanha foi muito bem recebida e contribuiu para uma melhor conscientização dos consumidores sobre a importância das notícias retratarem a verdade, além de aumentar o número de subscrições para o jornal.
Em 2018, a Nike lançou a campanha “Just Do It” com Colin Kaepernicke e outros atletas chamando a atenção para desigualdades sociais. Apesar da campanha não mencionar explicitamente o movimento “Black LIves Matter”, ela foi recebida muito favoravelmente pelos consumidores que passaram a associar a marca aos seus próprios valores de justiça social.
Mas o ativismo em marketing também atua no direção contrária – ativamente participando de campanhas criticando as marcas. No modo “ativismo passivo” as empresas decidem como incorporar causas relevantes para a sociedade em suas campanhas publicitárias. No modo “ativismo ativo” (desculpas pelo pleonasmo!), os ativistas vão atrás das marcas que, segundo eles, não ajudam a “causa”, e protestam publicamente, ou enchem suas redes sociais de comentários críticos. Isso tem o poder de conscientizar os consumidores e influenciá-los a demandar atitudes das marcas ou a alterar seus hábitos de consumo. Sem entrar no mérito do ativismo, muitas vezes as marcas se tornam reféns desse tipo de ativismo.
Veja, por exemplo, o caso da Nordstrom, conhecida loja de departamento americana. Em 2017, ativistas contrários a Donald Trump lançaram o movimento “boycott Nordstrom” por uma única razão – a loja vendia artigos da marca Ivanka Trump. A Nordstrom reagiu rapidamente e retirou, sem alarde, os produtos Ivanka Trump de suas lojas. E como era de se esperar, aí foi atacada por ativistas pró-Trump. Como bem colocado pelo artigo do NY Times, uma camisa ou uma bolsa não é mais somente um produto, virou um item politizado, fazendo com que uma simples decisão de compra ou não, se torne um ato de protesto.
A mesma campanha da Nike, mencionada acima, também sofreu críticas nas redes sociais por parte de extremistas nacionalistas. Muitas outras marcas passaram por situações semelhantes, como UnderArmour, LLBean, HomeDepot.
No Brasil a situação é muito semelhante. Um estudo da Edelman Earned Brand de 2018, verificou que 69% dos brasileiros compram ou boicotam uma marca em virtude de sua posição sobre uma questão social ou política. Por exemplo, em outubro de 2019, apoiadores do presidente Bolsonaro, foram às redes sociais pedindo o boicote a marcas que anunciavam na Rede Globo, em protesto a uma reportagem da Globo sobre uma possível ligação do presidente Jair Bolsonaro com pessoas envolvidas no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Um outro tópico que vem provocando muitas opiniões polarizadas e ativismo é o que fazer com as “fake news”. A Suprema Corte do Brasil está investigando disparos de fake news via redes sociais e com isso batendo de frente com o governo do presidente Bolsonaro e seus apoiadores.
Uma organização, iniciada em 2016 nos EUA, particularmente ativa no combate às fake news é a “Sleeping Giants“. Seus métodos consistem em conseguir que empresas removam propagandas dos meios de comunicação que publicam notícias falsas. Isso inclui também propagandas de marcas feitas em buscas no Google, canais do YouTube, ou em páginas do Facebook, os quais publicam ou promovem notícias falsas.
Um dos problemas com isso, é que muitas vezes as marcas deixam que os algoritmos do Google e do Facebook escolham automaticamente os sites nos quais as propagandas aparecem. Mas os Sleeping Giants argumentam que as marcas devem se preocupar mais e serem mais pró-ativas em impedirem que propagandas apareçam em certos sites e páginas de redes sociais, visando assim diminuir as fontes de renda destes sites com propagandas.
Dada a recente polêmica das fake news no Brasil, nós decidimos verificar se os Sleeping Giants e seus apoiadores estavam atuantes nas redes sociais de marcas brasileiras.
A Odysci monitora, regularmente, centenas de páginas de marcas nas redes sociais Twitter, Facebook, Instagram e YouTube. Para esta análise da atuação da Sleeping Giants no Brasil, nós focamos na análise das páginas do Twitter, e buscamos pela presença de hashtags e menções relacionada a Sleeping Giants, por exemplo, #SleepingGiantsBrasil, @slpng_giants_pt entre outras relacionadas.
Encontramos centenas de comentários com hashtags e menções aos Sleeping Giants em páginas de marcas em diversos segmentos. Esses comentários foram publicados, alguns pelo usuário @slpng_giants_pt, mas na maioria por muitas outras pessoas. Em todos os casos, os comentários não eram agressivos, mas criticavam a marca por permitir que propagandas suas fossem mostradas em sites que, segundo eles, divulgavam fake news. Alguns exemplos típicos desses comentários são:
Ao todo, nós monitoramos cerca de 100 páginas do Twitter em vários segmentos (e.g., montadoras de carros, bancos, e-commerces, aplicativos de transporte e entrega, fast-food, empresas de telefonia, fabricantes de celulares, moda, etc.). Coletamos cerca de 45 mil comentários postados nessas páginas, e verificamos se algum comentário continha menção ou hashtag dos Sleeping Giants.
Um ponto que chamou a atenção foi o grande número de marcas visadas, i.e., que receberam esses tipos de comentários. Das 100 marcas pesquisadas, 59 tinham pelo menos 1 comentário mencionando Sleeping Giants. A figura abaixo mostra as 25 marcas, cujas páginas no Twitter foram mais visadas pelos Sleeping Giants e seus apoiadores, considerando o número de comentários com hashtags ou menções aos Sleeping Giants.
Como pode-ser ver acima, as Lojas Americanas, Samsung Brasil, e Banco do Brasil foram as marcas mais visada. Mas praticamente todos os segmentos de mercado pesquisados apresentaram marcas que foram criticadas por permitir seus anúncios em sites que promovem fake news.
Esse tipo de ativismo dá resultados.
O canal Tilt da Uol reportou que os sites Jornal da Cidade Online e Conexão Política pararam, no início de junho, de veicular propagandas via Google Adsense. Ambos os sites eram alvos dos Sleeping Giants por, segundo eles, serem sites que divulgam fake news. Estes sites não deram explicações do porquê as propagandas do Google Adsense foram retiradas de suas páginas, mas é bem provável que as próprias marcas anunciantes, que foram visadas pelos Sleeping Giants, bloquearam seus anúncios de aparecerem nestes sites.
O ato de compra não é mais uma simples transação comercial. Através de seu poder de compra, consumidores passaram a exercitar suas vozes, suas opiniões e suas crenças. Quando a posição dos consumidores vai de encontro com a posição das marcas (ou ausência de um posição definida), estes consumidores se fazem ouvir. As redes sociais são o meio ideal para expressar esse descontentamento.
Quando desafiadas perante alguma causa social, política, climática, etc., marcas e empresas devem lidar com isso prontamente, e não ignorar. Marcas devem engajar seus consumidores e conjuntamente chegar a ações que ajudem a causa em questão, seja por meio de campanhas, doações, trabalhos voluntários. Mas isso, é claro, precisa ser autêntico! As empresas precisam acreditar que as causas são válidas e deixar claro o porquê de suas ações. Por outro lado, se a empresa discorda da causa, deve também deixar isso claro e transparente, afinal, sempre haverá consumidores com opiniões divergentes.
Qualquer que seja a posição tomada pela marca, as ações devem ser autênticas, significativas e contínuas. Caso contrário, a marca pode ser vista como hipócrita e oportunista – o que certamente será pior a médio e longo prazo.
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