Empresas se relacionam com consumidores de muitas maneiras. Quer seja através da percepção sobre produtos e serviços, quer seja através do atendimento a clientes, ou ainda através das propagandas, empresas são julgadas constantemente pelos consumidores.
Consumidores esperam que os produtos e serviços sejam da qualidade esperada e seguros, que o atendimento seja ético e sem discriminação, e que as propagandas sejam honestas e isentas de estereótipos (raciais, inclusivos, e de gênero).
Mas, todos sabemos que não é bem assim. Acidentalmente, inocentemente ou mesmo propositadamente, problemas acontecem, e devem ser gerenciados pelas empresas a fim de conter um desastre nas relações públicas, abandono por parte dos clientes, e na pior das hipóteses, colapso das vendas e falência.
Graças à Internet e às redes sociais, qualquer problema desse tipo (seja verdadeiro ou falso) tem o potencial de viralizar e comprometer a imagem da empresa, se não respondido apropriadamente o mais rápido possível.
Questões raciais continuam afetando a imagem de muitas empresas, na maioria das vezes, por problemas no atendimento ao público, ou por propagandas com algum viés racial. Vamos descrever a seguir dois casos que representaram bem esses problemas em empresas conhecidas mundialmente, e fazer um paralelo com um caso recente envolvendo o Banco Itaú.
O primeiro caso, de 2018, é do Starbucks. O gerente de um Starbucks da Philadelphia pediu para duas pessoas negras se retirarem do local, alegando que não poderiam ficar sem comprar nada (o que não era demandado de clientes brancos). Os dois se recusaram, a gerente chamou a polícia, e os dois foram presos. Alguém gravou o vídeo da polícia no ato das prisões. O vídeo foi para as redes sociais e o caso viralizou. A loja e a polícia foram acusadas (nas redes sociais) de discriminação racial, e consequentemente o Starbucks, como empresa, foi acusada de discriminação e negligência no treinamento dos empregados.
A resposta do Starbucks à reação do público e das redes sociais foi rápida. O CEO Kevin Johnson se encontrou com as duas pessoas envolvidas, se desculpou em nome do Starbucks pela atitude da gerente, e colocou em ação um dia de treinamento específico em “viés racial” nas 8000 lojas do Starbucks nos EUA. Apesar de algumas críticas, o Starbucks respondeu como devia: pediu desculpas, aceitou a responsabilidade pelo erro, e promoveu ações para que não aconteça novamente.
O segundo caso, em 2017, envolveu a Dove, conhecida marca de produtos de beleza, e reconhecida por ser uma marca que, em suas campanhas publicitárias empodera mulheres e desafia normas de beleza. Entretanto, quase viu sua reputação devastada por uma propaganda de body wash de 3 segundos (um gif) postada na sua página do Facebook. No gif, uma mulher negra inicialmente veste uma camiseta marrom, que ela tira e se transforma em uma mulher branca com uma camiseta branca.
As redes sociais rapidamente acusaram a propaganda de racismo, ou no mínimo, insensibilidade racial, e as reclamações nas redes sociais viralizaram. A Dove rapidamente reconheceu o erro, se desculpando diretamente nas redes sociais. Apesar das muitas críticas, a Dove respondeu apropriadamente, o que junto com sua boa reputação anterior, fez com que a marca não sofresse consequências duradouras.
Aqui no Brasil tivemos um caso envolvendo o Banco Itaú e uma correntista. A mulher, jovem empresária, de cor negra, foi a uma agência do Itaú no dia 30 de janeiro de 2020 para desbloquear um cartão e sacar R$1.500. Segundo ela, os funcionários do banco a fizeram esperar até o fim do expediente bancário para chamarem a polícia que a retiraram do banco. A agência alegou que ela não conseguira provar sua identidade como responsável pela conta, e estava tentando fraudar o banco. A empresária acusa o banco e seus funcionários de racismo por terem desconfiado do volume de dinheiro em sua conta por ser negra e por apresentar um documento onde a empresária não conseguia ser reconhecida por estar usando seu cabelo natural e não alisado como na fotografia do documento. A mídia cobriu amplamente o caso.
Logo após o ocorrido, a empresária utilizou suas redes sociais para relatar o ocorrido e denunciar as atitudes tomadas pelos funcionários do banco como um ato de racismo.
A fim de medir o impacto dessa polêmica nas redes sociais, nós utilizamos o Odysci Media Analyzer para analisar o engajamento gerado nas páginas do banco, em particular, no Twitter, que é a rede social mais utilizada para difundir acontecimentos assim que eles ocorrem.
Nós procuramos por tweets contendo palavras de cunho racial (e.g., racismo, racista, discriminação). Para contextualizar os resultados, nós fizemos essa busca em tweets desde julho/2019 e incluindo menções para os cinco maiores bancos do Brasil (no Twitter: @itau, @Bradesco, @santander_br, @Caixa e @BancodoBrasil). Os resultados são mostrados no gráfico abaixo.
Pode-se notar que o número de tweets com palavras de cunho racial e envolvendo menções para os bancos se manteve relativamente baixa até dezembro de 2019, e sem grandes diferenças entre os bancos.
Em janeiro, por conta desse incidente no dia 30, o número de tweets envolvendo @itau e palavras de cunho racial pularam para mais de 6000, e continuou nos primeiros dias de fevereiro, atingindo quase 2000 até 4 de fevereiro.
Fazendo uma análise temporal mais detalhada, nós plotamos abaixo, o número de tweets por hora, desde a hora do incidente até 3 dias seguintes. Nesse gráfico pode-se ver claramente o efeito viral que tomou conta do @itau no Twitter. Começando com quase 700 tweets entre 17hs e 18hs do dia 30/jan, logo após a empresária postar seu relato no Instagram, e atingindo o pico de quase 4 mil tweets entre 9hs e 10hs do dia 31/jan. Nos 5 dias após o incidente, houve mais de 50 mil tweets envolvendo o banco Itau (menção @itau) e palavras de cunho racial ou mencionando a empresária.
O incidente ocorreu no dia 30/jan no período da tarde. O banco Itaú respondeu à empresária via Twitter após as 24hs. Em dois tweets, feitos às 00h01m do dia 31 de janeiro, o @itau escreveu:
“O Itaú lamenta pelos transtornos causados a <nome da empresária> nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro, e já entrou em contato com ela para resolver a situação. (+)” e
“O Itaú esclarece que o procedimento adotado na agência é padrão em casos de suspeita de fraude, e não tem qualquer relação com questões de raça ou gênero. O Itaú acredita que toda forma de discriminação deve ser combatida.”
Entretanto, as redes sociais não aceitaram isso como um pedido de desculpas ou uma admissão que algo errado ocorreu – e os tweets continuaram. Claramente a resposta do Itaú foi vista como insuficiente.
Aprofundando um pouco na análise da viralização deste incidente, vale a pena ir além da contagem de tweets, e ver se há usuários inflando esta contagem com centenas de tweets, pois isso pode dar a impressão que um assunto é popular, mas na verdade, pode estar sendo “sequestrado” por alguns poucos usuários muito prolíficos ou por robôs.
Para fazer esta análise, usamos o gráfico de “Comentários por Usuário” disponível no Odysci Media Analyzer, visto abaixo, para todos os comentários no Twitter com a menção @itau entre 30/janeiro e 05/fevereiro.
Nessa figura pode-se ver que 18,801 comentários foram feitos por usuários que só postaram 1 vez, enquanto 1 único usuário fez 169 postagens. Mas a discussão não foi monopolizada por poucos usuários – cerca de 91,7% de todos os comentários foram feitos por 99,6% de todos os usuários.
Esse caso ilustra muito bem uma reação rápida das redes sociais em frente a uma situação considerada pela grande maioria (dos comentários) como um caso de racismo. Ao contrário da resposta do Starbucks e da Dove nos casos anteriores, o Itaú preferiu não admitir qualquer viés de racismo por parte dos funcionários da agência envolvida pois isso implicaria admitir uma certa culpa institucional.
Problemas como estes e muitos outros acontecem frequentemente, mas nem sempre se tornam crises de relações públicas – principalmente porque a maioria das empresas tenta responder honestamente e rapidamente.
Nesses casos, estar preparado para eventuais problemas é essencial, e a resposta invariavelmente deve ser rápida e incluir:
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