Em 28 de junho de 1969, houve uma série de manifestações de pessoas da comunidade LGBT contra uma invasão policial no bar Stonewall Inn na Greenwich Village de Manhattan, que vieram a ser conhecidas como a Rebelião de Stonewall.
Estas manifestações representaram um importante marco do movimento LGBT na reinvidicação de seus direitos perante uma sociedade que os perseguia. A data passou a ser lembrada pela comunidade desde o ano seguinte, 1970, com marchas em varias cidades e gradualmente se espalhando pelo mundo. Junho se tornou o mês do Orgulho LGBTQIA+ ou PrideMonth.
Apesar de muito progresso, em termos de inclusão, ter sido conseguido a duras penas ao longo de muitos anos, a situação da comunidade LGBTQIA+ ainda está muito longe de ser ideal. Um estudo realizado pela firma Box 1824 e Google, visando entender o universo da diversidade LGBTQIA+ no Brasil, mostrou resultados muito impactantes e preocupantes no que diz respeito à discriminação, violência e igualdade de direitos para com os que não se identificam com o conceito heterosexual padrão.
Nesse blog vamos focar nos aspectos envolvendo as redes sociais, e como estas são utilizadas pelas marcas para promover (ou não) maior inclusão.
De um certo modo, as redes sociais são instrumentos fantásticos de comunicação, e têm permitido membros da comunidade divulgar suas realidades para audiências muito mais amplas. Por outro lado, as redes sociais também possibilitam ataques mais indiscriminados.
Nesse contexto atual, as marcas não podem mais ficar fora da discussão, sob o risco de seus consumidores se rebelarem e iniciarem um cancelamento. Na prática, as marcas correm o risco de cancelamento de ambos os lados (tanto da comunidade LGBTQIA+ e simpatizantes, como dos detratores), e acabam tendo que realmente tomar posições mais definidas. Ficar em cima do muro nessa questão não é mais uma opção aceitável pelos consumidores e nem pelos seus colaboradores.
Muitas empresas já se conscientizaram que a população LGBTQIA+ pode adicionar muito talento ao seus corpos de colaboradores, e vêm implementando políticas pró-ativas para recrutar e manter esses membros da comunidade em suas folhas de pagamento. Empresas como Natura, Ambev, Carrefour, Itaú, e outras, têm políticas afirmativas para contratação e inclusão de pessoas LGBTQIA+. Muitas outras empresas se comunicam diretamente com o público LGBTQIA+ através do posicionamento de seus produtos.
Apesar destes avanços, nós resolvemos buscar nas postagens feitas nas redes sociais de empresas, uma evidência maior desse momento mais “inclusivo”. Só que não achamos exatamente isso!
A Odysci coleta dados públicos de redes sociais de empresas diariamente, incluindo todas as postagens feitas pelos administradores das páginas. Estas páginas são organizadas em Segmentos de Mercado. Assim, por exemplo, temos o segmento de “Beleza e Cuidados Pessoais”, que contém as paginas da Natura, Boticario e Avon. Um outro segmento é o de “Bancos” que contém as páginas do Itaú, Bradesco, Santander, Nubank, e outros 9 bancos brasileiros. As páginas analisadas foram do Facebook, Instagram e Twitter. Apesar de termos também os dados do YouTube, estes não foram usados nesta análise porque, muitas vezes, o video postado no YouTube não traz nenhum texto do qual poderíamos minerar dados.
Esta análise incluiu a coleta de todas as postagens feitas pelos administradores das páginas, em todos estes perfis sociais de 1 de Janeiro a 20 de junho de 2021 (171 dias). Em seguida nós fizemos uma mineração de dados, buscando por todas as postagens que incluiam qualquer termo relacionado à comunidade LGBTQIA+ (e.g., lgbt, homosexual, gay, lésbica, trans, etc.), e contamos quantas postagens retornaram.
Os dados são apresentados abaixo.
Este gráfico mostra a porcentagem de postagens feitas com algum conteúdo LGBTQIA+, em relação ao número total de postagens feitas no período, considerando os perfis nas redes sociais da empresas em cada segmento de mercado somados.
Segundo este gráfico, o setor de Companhias Aéreas foi o que, percentualmente, mais postou conteúdo LGBTQIA+. Em cada 100 postagens (no Facebook, Instagram e Twitter), 1,67 tinham o conteúdo buscado. O gráfico mostra também que essa porcentagem cai rapidamente nos demais segmentos! As empresas do segmento de Bancos, Ensino Superior (particulares, do estado de SP) e Fast Food, aparecem a seguir. Em último aparecem os segmento de Moda Brasil (21 perfis, incluindo C&A, Marisa, Renner, etc.), Influenciadores de Moda, Beleza, Fitness e Comportamento (54 perfis no total), e Games Brasil (14 perfis incluindo EA, PlayStation, Ubisoft, Xbox, e Brasil Game Show).
Este gráfico não mostra toda a história, pois há segmentos que postam muito mais que outros. Para se ter um ideia dos valores absolutos, veja a tabela abaixo.
As redes sociais das empresas de notícias (e.g., Folha, Estado, CNN, UOL, etc) soman 42 perfis, e foram responsáveis por 251.818 postagens. Destas, 697 postagens tinham conteúdo LGBTQIA+, o que é um valor bem acima dos demais segmentos. Entretanto, o número de postagens totais bem maior faz com que a porcentagem com conteúdo LGBTQIA+ seja somente 0,28% como mostrado no gráfico anterior.
Um outro modo de se analisar estes números é calcular o número médio de postagens com conteúdo LGBTQIA+ por perfil, e por mês – isso dá um ideia melhor da frequência com que o conteúdo é abordado pelas redes sociais. Estes valores são mostrados no gráfico abaixo.
Deste gráfico podemos observer o seguinte. Em média, um perfil social de um site de notícias publica 2,91 postagens com conteúdo LGBTQIA+ por mês. Enquanto um perfil social de um influenciador publica em média 0,01 postagens com conteúdo LGBTQIA+ pos mês somente (ou seja, 1 postagem a cada 100 meses em média!!!!).
Sempre lembrando que esses números são médias. Dentro de cada segmento, é possivel ter uma ou outra empresa que posta mais conteúdo LGBTQIA+, enquanto outras não postam nada.
As empresas cujas redes sociais foram monitoradas são empresas conhecidas, e dentre as maiores de cada ramo (com exceção dos influenciadores, onde pegamos somente influenciadores com menos de 5 milhoes de fans ou seguidores).
Os gráficos indicam que, na maior parte, as postagens com conteúdo LGBTQIA+ são mínimas. Representam pequenas porcentagens das postagens totais, e além disso são feitas raramente. Menções honrosas (mas não muito) para as redes sociais das companhias aéreas e dos sites de notícias que se destacaram ou pela porcentagem ou pela frequência.
Muitas marcas de bancos, cosméticos, montadores, etc, que se dizem alinhadas com as causas LGBTQIA+ não demonstram isso nas redes sociais.
De acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a estimativa da população LGBT no Brasil é de cerca de 18 milhões de pessoas, ou um pouco mais que 8% da população do país. É uma porcentagem razoável da população consumidora no Brasil – nenhuma marca pode-se dar ao luxo de ignorar 8% de seus consumidores.
Baseado nos dados das redes sociais, as principais marcas do país ainda têm muito que melhorar em sua comunicação para atingir a comunidade LGBTQIA+, e mais ainda para convencê-la que o interesse é autêntico!
Estaremos monitorando.
Cover photo by Tim Bieler on Unsplash.